domingo, 4 de janeiro de 2009

RIR É REALMENTE O MELHOR REMÉDIO

RIR AINDA É O MELHOR REMEDIO
categorias: Crônicas



RIR É REALMENTE O MELHOR REMÉDIO I
Ana Maria Guimarães Ferreira

Ela chegou num domingo quente, ao anoitecer...
Não era um domingo qualquer como tantos outros...
Era um domingo especial em que eu cansada de tantas tarefas domesticas, associadas com o trabalho da secretaria, esperava-a como uma criança espera o Papai Noel...ansiosa!
E ela chegou: empoeirada, esfomeada e cheia de esperanças, com um vestido comprido, de mangas compridas os cabelos longos e crespos soltos pelos ombros e uma bíblia na mão.
Esse foi o meu encontro com aquela que viria a me fazer rir e achar que a vida era muito mais divertida do que eu imaginava.
Dilma era seu nome. Baixinha, roliça, morena índia, dentes perfeitos e brancos que eu pensava – Nossa é de tanto chupar cana no Seringal e que mais tarde descobri que na verdade aqueles dentes perfeitos e brancos eram dentadura...
Dentistas iam aos Seringais raramente e quando lá chegavam os dentes estragados eram arrancados, pois era mais fácil do que trata-los.

O primeiro dia de Dilma foi incrível. Acostumada com feijão mulatinho não conhecia o feijão preto, enquanto eu, carioca, usava e abusava do feijão preto.
Saí para trabalhar e deixei o feijão sobre a mesa para que Dilma o fizesse para o almoço das crianças.
Quando cheguei em casa encontrei sobre a mesa um caldo ralo e claro e no fundo grãos de feijão. não mais pretos, porém rosados. Descobri que ela lavou o feijão depois de cozido, até que aquele caldo grosso e preto clareasse.
Assim descobri como gastar uma lata de óleo por dia. para cozinhar uma panela de feijão.

Os dias iam passando e Dilma se revelava.
Eu e ela estávamos nos conhecendo, aprendendo uma com a outra nesse casamento empregada-patroa que tem tudo para não dar certo, se não existir amor, paciência e compreensão.
Não se trata de incompatibilidade de gênio, mas sim de culturas diferentes, de criações diferentes, de raízes diferentes.
Ela criada num seringal em casa de paxiúba, sem nunca ter visto uma TV. Só tinham rádio, luz de lampião e eu com todo o conforto da cidade: TV, Som, Computador, enceradeira, ar refrigerado, máquina de lavar roupa.
Os dias transcorriam calmos com alguns arranjos para facilitar a adaptação de Dilma
Ela continuava ali, impassível, aceitava as coisas novas, mas não se modificava. Às vezes empacava como um burro num lugar e não tinha quem a fizesse mudar.
Assim como o dia em que cheguei do trabalho e fui ao quintal procurar Dilma.
Encontrei-a no tanque num verdadeiro terremoto: roupas de todas as cores estavam amontoadas na água cheia de água sanitária (ela adorava usar água sanitária)
Roupas de crianças, de adultos, roupas de cama, pano de chão, tudo se misturava como se fossem uma única peça e como um verdadeiro carnaval aquático, boiavam na água e as cores se misturavam, passando umas para as outras...
Foi assim que meu marido deu adeus a sua camisa branca e em seu lugar obteve uma camisa multicor. As crianças também ganharam roupas de novos coloridos...
Mas ela estava aprendendo... Conhecendo... mudando.
Numa outra vez com paciência ensinei-a a usar a maquina de lavar roupa.
Foi outra desastrosa idéia. Dilma colocou todas as calças jeans da casa para lavar junto com dois jogos de lençóis. Quando olhei minutos depois de ouvir um barulho, descobri que a maquina bateu tanto, torceu tanto que arrancou da parede a tomada e atravessou a cerca indo parar na casa da vizinha.
Foi a primeira vez que eu vi um eletrodoméstico voar

Mas ela estava sempre ali atenta, prestava uma atenção incrível quando eu explicava as coisas novas. Mas por um defeito qualquer de fabricação assimilava apenas uns 5% e o resto era uma adaptação que ela fazia. Todos os dias Dilma abria a Bíblia e cantava sempre na mesma pagina. Achava interessante ela ser disciplinada com a hora e a música até que um dia vi que a Bíblia estava de cabeça para baixo e assim descobri que Dilma coitada era analfabeta.
Não lia a Bíblia, apenas gestos repetidos pelos pastores que ela copiava e as musicas que decorava.

De outra feita eu ensinei Dilma a usar a enceradeira: Foi uma loucura ver a alegria dela em manusear aquele eletrodoméstico.
Com a minha supervisão tudo foi bem ate que eu fui trabalhar. Voltei duas horas depois e encontrei Dilma lutando, agarrada na enceradeira que rodava sem sair do lugar, pois Dilma não sabia mais como abaixar o cabo da mesma.

Essa foi a primeira vez que o eletrodoméstico lutou com um ser humano e venceu!

A melhor foi seu contato com a TV e é claro com as novelas que ela largava tudo e maravilhada ficava imóvel, sem se mexer vendo com os olhos esbugalhados aquela coisa estranha...
Foi se acostumando a ver que aquele objeto trazia a imagem de pessoas dentro dele. Ficou apaixonada pela TV e pelas novelas ate que um dia num capitulo qualquer um ator morre na cena.
Dilma chorou copiosamente.
No outro dia, o artista era entrevistado e eu vi Dilma desesperada me chamando como louca.
- Corre D.Ana venha ver.
- Aquele homem que morreu ontem está vivinho!
Tente explicar isso...
Mas Dilma não cansava de surpreender-me.
Um belo dia disse para ela:
-Dilma passe as camisas e coloque-as no cabide
Ela me olhou com aqueles olhos que eu previa uma catástrofe, mas ousei determinar aquele serviço.
Dilma me olhou, olhou e disse?
-Não vai engomar? Não guarda na cruzeta?
Eu que não conhecia os termos do local (ACRE) carioca esperta que era disse:
- Não engome só os punhos e a gola e guarde-as no armário nos cabides que tem por lá.
Quando cheguei às camisas só estavam passadas na gola e nos punhos e todas em cima da cama.
Engomar no norte significa o mesmo que passar, cruzeta é o nome do cabide...
Durma com essa...
Uma coisa era certa: Dilma nunca dizia não! Entendeu? Sim Sabe fazer? Sim
Fui tentando com a minha psicologia entender, aceitar e modificar algumas coisas de pudessem ser modificadas, mas com o tempo desisti.
Percebi que se eu continuasse eu iria acabar neurótica e assim rezei e entreguei Dilma a Deus...
Todos os dias antes de sair para o trabalho eu tinha que dizer a mesma coisa:
- Dilma faça arroz, feijão, uma salada, uma carne, faça comida para o almoço. Entendeu Dilma?
A resposta era sempre SIM!
Naquele dia eu estava atrasada, as crianças também e eu saí esbaforida porta afora. O ônibus traria as crianças ao meio dia e eu chegava em casa às 14hs. Por isso o almoço era servido primeiro para as crianças e para Dilma depois eu e meu marido almoçávamos.
Cheguei em casa e encontrei as crianças tristes, sentadas no sofá e Dilma por perto “Pajeando como ela dizia”.
Meu filho reclamava:
- Mamãe to com fome.
Não entendi na hora, mas depois consegui entender. Ela me disse bem calmamente que como eu não disse para fazer comida ela achou que ninguém ia comer naquele dia Íamos jejuar...
Na pressa não disse a palavra mágica : Faça arroz, feijão
Aprendi que nunca podia esquecer de dizer Faça a comida senão ninguém almoçava na casa.

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