terça-feira, 31 de março de 2009

A RESERVA DO CACHORRO DA LUA

Ana Maria Guimaraes Ferreira


Finalmente encontro meus ancestrais: Meu avô -Dente de Leão- um cara pálido que ganhou este nome porque tratava dos dentes de seus irmãos brancos.
Meu tio Lata lata - outro cara pálida que ganhava a vida catando nas matas e nas florestas, latinhas ajudando assim a mãe natureza e auxiliando a despoluição do planeta Terra.
Meu pai - Grande chefe Maruá -chefe por longos anos e a quem devo os ensinamentos que me fizeram acreditar que o homem branco, ou o cara-pálida como ficamos sendo conhecidos, teríamos nossos direitos reservados e preservados e por isso lutou toda a sua vida.
Nossos direitos se estendiam do nosso quintal ao quintal do vizinho.
Tinhamos plantações produtivas de macaxeira, abobora, chuchu, tomates, alface, manjericao e muitas outras.
Tinhamos ervas que curavam, ervas que nos ajudavam a respirarm, que temperavam a carne de caça que comiamos a beira do fogão de lenha.
Nossas terras foram conquistadas em lugares distantes onde ninguém queria morar.
Afastadas das grandes moradas e onde um pequeno igarapé cortava e servia de divisória entre nossas terras.
Nossos terrenos eram pequenos, mas cabíamos nele. Nossos descendentes, cresciam e faziam as suas casas dentro de nossas terras e eramos felizes.Eramos o clã da Grande Família.
E o local passou a ser conhecido como a Reserva do Cachorro da Lua.

Não tinhamos invasores. Nem arrozeiros, nem posseiros, nem fofoqueiros, nem maconheiros todos ficavam longe da reserva, longe das nossas divisas.
Nossas terras nãp produziam petróleo, não tinhamos madeiras para cortar ou vender, não tinhamos minérios no chão. Tinhamos apenas a paz, a lua para ver e o cãopara cuidar da reserva.
Assim vivemos felizes por muito tempo e numa grande nação .
Mas o tempo correu e os brancos foram se mesclando e surgiram novas tribos, novas etnias: os indios, os negros, os pobres, os sem terra e muitas outras raças e nações.
Se aglomeravam, viviam em bandos, destruiam as plantações sob a égide de querer terras para plantar. A cada ano sentiamos que o ar se tornava mais e mais rarefeito.
Nossas crianças tossiam muito e cuspiam fumaça; não as do cachimbo da paz mas outras....
Vieram outros cachimbos que destruiam as nações...
Nosso igarapé foi seco e nosso espaço foi sendo espremido e em seu lugar surgiu o grande destruidor - o aranha céu - aquele que destruia a vista dos ceus..... e surgiam mais e mais ate que surgiu o grande aranha céu - o shopping
Nossa terra foi ficando pequena demais e fomos sendo empurrados empurrados cada vez mais para longe da terra dos nossos ancestrais..... acabamos sob a ponte onde se aglomeravam varios clãs.... Nao mais viamos a lua e os cães pararam de latir.
E nós cara-pálidas da reserva do Cao da lua, viramos caras sem eira nem beira, sem lugar para ficar ou para morar... sem teto, sem morada.
Sem proteção....
Hoje naõ temos direito a mais nada Nem latinhas para catar - existem as cooperativas, sem dentes para curar - existsem os convenios -nada mais nos restou;
Nossos direitos foram sendo tomados e hoje ficamos enjaulados em casas com grades e de la ficamos vendo o mundo onde marginais cara-palidas e de outras etnias dominam a nossa reserva, a nossa vida, inclusive a nós.
Nossa reserva não passa de um metro quadrado onde nos acotuvelamos. Não temos mais a Lua que deu nome a reserva e nem os caes pois a fome nos fez fazer deles o nosso alimento.
Assim, Grande Chefe Branco escrevemos esta carta para que nos de um local onde nós cara-palidas que cultivamos, trabalhamos, pagamos impostos, possamos recomeçar a plantar, a acreditar e a viver de acordo com todas as tribos que foram privilegiadas
e para que possamos ter o mesmo direito que nossos ancestrais tiveram - de viver em sociedade, de serem livres, de terem segurança, saude, alimento e paz!

Um comentário:

  1. Ana,
    Magnífico, atual, verdadeiro, como só você sabe dizer!
    Parabéns! Olha outra crônica para um jornal de primeira linha que enderece ao Lula rapidinho...
    Beijos,
    Adir

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